Por que quem fez bariátrica pode engordar de novo?
Aproveitando esse gancho, eu já quero entrar em outro ponto: o reincidente. Aquele cara que fez a bariátrica, colocou o balão, o anel, fez todo o procedimento e, depois de um tempo, começa a engordar de novo.
A pergunta é: como isso acontece? Como alguém que passou por uma cirurgia para reduzir o estômago consegue voltar a comer grandes quantidades e ganhar peso de novo?
Bom, a resposta está na fisiologia do corpo humano.
O metabolismo “lembra” a obesidade
Quando uma pessoa já teve um metabolismo alterado antes, ou seja, passou anos com excesso de peso, resistência à insulina, glicose elevada, o corpo dela “lembra” desse estado.
Não é porque ela fez uma bariátrica que, de um dia para o outro, o corpo dela se transformou em um metabolismo perfeito. Essas mudanças levam tempo para serem revertidas.
E tem um detalhe importante: o pâncreas tem memória.
Se essa pessoa já passou anos e anos com hiperglicemia, resistência à insulina e síndrome metabólica, o pâncreas dela já sofreu alterações e continua sensível a esses estímulos.
Ou seja, mesmo que a cirurgia tenha reduzido o estômago, se os hábitos não forem ajustados, a tendência é que, com o tempo, o corpo vá voltando ao estado anterior.
O papel do pâncreas no controle da glicemia
Agora, para entender melhor, vamos falar um pouco sobre o pâncreas e como ele regula a glicemia.
O pâncreas tem dois tipos principais de células que controlam o açúcar no sangue:
- Células alfa – Produzem glucagon, que aumenta a glicose no sangue.
- Células beta – Produzem insulina, que reduz a glicose no sangue.
Basicamente, quando os níveis de glicose sobem demais, as células beta liberam insulina para armazenar essa energia. Já quando os níveis de glicose estão baixos, as células alfa liberam glucagon, que quebra o glicogênio do fígado para manter a glicemia estável.
O problema é que, em pessoas que tiveram muitos anos de síndrome metabólica, esse equilíbrio fica bagunçado.
Os níveis de glicemia e o diagnóstico do diabetes
A gente mede a glicose no sangue para classificar se a pessoa está normal, pré-diabética ou diabética. Os valores são esses:
- Glicemia normal → Até 90 mg/dL.
- Pré-diabetes → Entre 90 e 100 mg/dL (alguns laboratórios já consideram pré-diabetes a partir de 100 mg/dL).
- Diabetes → Se a glicemia em jejum for 126 mg/dL ou mais, ou se, durante o dia, chegar a 200 mg/dL ou mais.
Além disso, usamos um exame chamado hemoglobina glicada (HbA1c), que mede a glicose média dos últimos 2 a 3 meses:
- HbA1c normal → Até 5,6%.
- Pré-diabetes → Entre 5,7% e 6,4%.
- Diabetes → Acima de 6,5%.
Para quem já tem diabetes, o ideal é manter HbA1c abaixo de 7,5% para um bom controle da doença.
O que acontece no pâncreas quando a pessoa tem síndrome metabólica por muito tempo?
Agora vem a parte interessante. Se a pessoa passa anos e anos com glicose alta, o pâncreas vai se adaptando a essa situação.
No início, as células beta trabalham no limite, produzindo cada vez mais insulina para tentar controlar a glicose. Mas chega um ponto em que elas se esgotam.
E aí acontecem duas coisas:
- As células beta começam a morrer ou se transformar em células alfa. Isso faz com que o corpo passe a produzir mais glucagon do que deveria, jogando ainda mais glicose no sangue.
- O corpo começa a produzir glicose sozinho, sem nem precisar comer. Isso significa que o problema não é mais só o que a pessoa come, mas sim uma alteração na regulação da glicemia dentro do próprio organismo.
Ou seja, a pessoa pode até reduzir a ingestão de carboidratos, mas o pâncreas dela já está programado para produzir glicose em excesso.
Por que a pessoa que fez bariátrica pode engordar de novo?
Agora você deve estar pensando: mas o que isso tem a ver com bariátrica? Simples:
A cirurgia reduz o tamanho do estômago, mas não mexe no metabolismo do pâncreas.
Se essa pessoa já tinha um metabolismo alterado antes, com resistência à insulina e produção exagerada de glicose, o corpo continua com essa tendência, mesmo depois da cirurgia.
Com o tempo, se os hábitos não forem ajustados, o que acontece?
- O estômago se adapta e volta a dilatar um pouco.
- A pessoa come um pouquinho mais a cada dia.
- O pâncreas continua funcionando do jeito que estava antes.
- A glicose sobe, o corpo libera mais insulina, e a pessoa volta a armazenar gordura.
Ou seja, a cirurgia sozinha não resolve a questão metabólica. Se o paciente não mudar o estilo de vida, a tendência é que ele recupere o peso com o tempo.
Quando o diabetes tipo 2 vira insulino-dependente
Outro ponto importante é que, se a pessoa chega num estágio em que as células beta do pâncreas foram muito destruídas, ela não consegue mais produzir insulina suficiente.
Nesse caso, ela precisa de insulina externa, e aí a gente chama de diabetes tipo 2 insulino-dependente. Isso não significa que a pessoa virou diabetes tipo 1, porque diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, em que o corpo destrói as células beta.
No caso do diabetes tipo 2 insulino-dependente, a pessoa perdeu as células beta por exaustão, depois de anos e anos forçando o pâncreas a produzir insulina. Esse é o motivo pelo qual alguns pacientes acabam precisando de insulina mesmo sendo diabetes tipo 2.
A bariátrica não é “cura” para obesidade
Então, qual a moral da história? A bariátrica não é uma solução mágica.
Ela ajuda muito no início, porque reduz a quantidade de comida que a pessoa pode ingerir. Mas, se o metabolismo já estava alterado antes, o corpo tem uma memória metabólica que pode levar ao reganho de peso.
A única maneira de evitar isso é:
- Controlar a glicose e a insulina.
- Ajustar a alimentação para evitar picos glicêmicos.
- Manter um estilo de vida ativo.
Se a pessoa não fizer essas mudanças, o peso volta – cirurgia ou não. Então, se você conhece alguém que fez bariátrica ou pensa em fazer, saiba que a cirurgia é só uma ferramenta. O que realmente faz diferença é o que a pessoa faz depois.